O governo federal, os Estados e municípios trabalharão juntos para alcançar a meta. O Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) foi lançado pela presidente Dilma no início do mês
Aos 6 anos, Isaac Sobral lê, escreve, interpreta textos simples e faz operações matemáticas básicas de soma e subtração. Isaac estuda no Colégio Militar Dom Pedro II, em Brasília, ligado ao Corpo de Bombeiros. De acordo com o Ministério da Educação, no ano passado a escola obteve a melhor média de notas entre as escolas públicas de ensino fundamental do Distrito Federal. No Dom Pedro II, as crianças começam a se familiarizar com palavras e números aos 4 anos. É por isso que, dois anos depois, leem com facilidade e não se perdem nas contas quando recebem mesada dos pais.
Isaac e seus colegas de escola podem ser considerados privilegiados. O único teste realizado em âmbito nacional até hoje, para aferir a qualidade da alfabetização de crianças até 8 anos, apresentou resultados preocupantes. Quase metade dos estudantes não sabia ler e escrever apropriadamente. Seis em cada dez demonstraram dificuldade extrema com a matemática. Aplicado pela ONG Todos Pela Educação, o teste mostrou que as crianças das escolas públicas e das re¬giões Norte e Nordeste tiveram as piores notas entre os que realizaram a prova.
No início do mês, a presidente Dilma Rousseff lançou o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic), com a intenção de mudar essa situação vergonhosa. O plano consiste numa parceria do governo federal com Estados e municípios para alfabetizar todas as crianças até 8 anos. O Pnaic tem três eixos: treinar os 360 mil professores alfabetizadores, distribuir material didático voltado à alfabetização de quase 8 milhões de crianças e avaliar os alunos, por meio de provas, para descobrir se os investimentos alcançaram o objetivo desejado. “O Pacto é o ponto de partida para que os brasileiros tenham oportunidades de competir em igualdade de condições”, afirmou Dilma. A presidente defendeu a educação em período integral, com aulas de reforço em português e matemática além do tempo em sala de aula. “Não há país no mundo que tenha conseguido igualdade de condições sem a educação em tempo integral.”
>> No Ceará, Estado e prefeituras trabalham juntas para melhorar o ensino municipal
>> Mais notícias de Educação
O governo mobilizou 34 universidades federais para formar professores alfabetizadores, com direito a bolsas de incentivo para se dedicar às atividades de formação. Mais de 5.200 municípios aderiram ao pacto. Nos próximos dois anos, estão previstos investimentos de R$ 2,7 bilhões e a distribuição de 60 milhões de livros didáticos e jogos pedagógicos. Como forma de estimular as melhores práticas, o governo afirma que garantirá R$ 500 milhões em prêmios para as escolas e os professores que obtiverem os melhores resultados. De acordo com a diretora executiva da ONG Todos Pela Educação, Priscila Cruz, o Pnaic poderá mudar a situação do ensino no país. “Crianças que não são bem alfabetizadas têm sérias dificuldades de aprendizado nos anos seguintes. Boa parte delas abandona os estudos”, afirma. “E essas deixam de atingir a cidadania de forma plena. O Pnaic tem a ambição de corrigir isso.”
O Pnaic foi inspirado no Programa de Alfabetização na Idade Certa (Paic), criado pelo governo do Ceará em 2007. O governo cearense passou a cooperar com os municípios, responsáveis por administrar a maior parte das escolas alfabetizadoras. Até então, os municípios cearenses e o governo do Estado não interagiam. Os grandes prejudicados eram os estudantes. A partir do Paic, o governo estadual definiu o conteúdo programático das escolas, passou a treinar professores e a oferecer o material didático, além de avaliar os resultados. A média de notas no Ceará, de acordo com o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), subiu de 3,2 para 4,9 – patamar equivalente ao verificado no Rio de Janeiro e no Espírito Santo e o mais alto do Nordeste.
>> Testes em crianças identificam problemas de linguagem que podem prejudicar a alfabetização
A maior diferença entre o programa cearense e o federal é a idade. O compromisso do governo cearense é alfabetizar os alunos até os 7 anos, enquanto o Pnaic prevê fazer isso até os 8 anos. Críticos do programa federal afirmam que a idade é elevada demais. O ideal é que as crianças sejam alfabetizadas entre 6 e 7 anos. O exemplo de Isaac e seus colegas prova que é possível alfabetizar antes dos 8 anos. Mas isso não tira méritos do plano. “É um teto. Ninguém está proibindo que a alfabetização seja feita antes”, diz Inês Miskalo, coordenadora de Educação do Instituto Ayrton Senna. “Com essa margem maior, fica mais fácil atingir o resultado.”
>> Escola pública do Distrito Federal testa chip para monitorar alunos
O único ponto frágil do Pnaic é que ele não estabelece prazo para que 100% das crianças sejam alfabetizadas até os 8 anos. “Sem prazo, fica mais difícil cobrar o cumprimento do Pacto”, diz Priscila. É preciso acompanhar com rigor os compromissos do Pnaic para que não se percam ao longo dos anos. Isaac e seus colegas da escola Dom Pedro II não podem continuar sendo exceção no Brasil.
Fonte: Revista Época hoje (21/11)