Um conjunto de escolas revelado pelo novo Ideb mostra que, com esforço e disciplina, dá para cumprir metas e alcançar a excelência
Poucos indicadores são tão cruciais para o avanço do país quanto o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), termômetro do ensino que produz a mais abrangente e precisa radiografia sobre a sala de aula brasileira. A última leva de dados, divulgada na semana passada pelo Ministério da Educação (MEC), mostra que houve avanços nos dois últimos anos, mas adverte – com um festival de notas vermelhas para estados, municípios e escolas – que a distância entre o Brasil e os melhores do mundo é ainda longa. Para se ter uma ideia, no segundo ciclo do ensino fundamental apenas 3% das escolas ombreiam hoje com o padrão da OCDE (que reúne os países mais desenvolvidos). E quase a metade patina num patamar sofrível – sem passar da nota 4 (só para lembrar, numa escala de zero a 10). É diante desse cenário que reluz um conjunto de bons colégios que conseguiu se desprender da me”dia de maneira extraordinária, alcançando a excelência sem muito dinheiro e nenhum luxo. Ao contrário da maioria eles prezam e cultivam a meritocracia, preservando os bons professores, e levam as metas de avanço estabelecidas pelo MEC tão a sério que se organizam em torno delas. Não foi por acaso, portanto, que as atingiram plenamente, como mostra o novo Ideb.
A pedido de Veja, o economista Ernesto Faria, da Fundação Lemann, fez um levantamento entre as 40.300 escolas avaliadas nas primeiras séries, cruzando o resultado de cada uma no Ideb com o nível socioeconômico de seus alunos. Baseou-se em informações que os próprios estudantes forneceram ao fazer a Prova Brasil (um dos medidores que compõem o Ideb). Quase sempre, os colégios mais bem avaliados são justamente aqueles que recebem crianças de famílias de melhor educação e maior renda. Mas o levantamento do economista traz boas surpresas que rompem com essa lógica de modo exemplar. É o caso do Ciep Glauber Rocha, da rede municipal do Rio de Janeiro, que cravou 8,5 no Ideb, ficando no topo do ranking estadual e em segundo lugar na comparação nacional. Situada numa área vizinha a um reduto do tráfico, lugar onde as taxas de homicídio superam em vinte vezes a média da Zona Sul carioca, a escola se tornou um oásis do bom ensino (algo que alardeia fixando a nota do Ideb nas paredes) por meio de uma cartilha simples, mas certeira. Engaja os pais na vida escolar, cultiva a leitura, tem um currículo bem organizado, um quadro de mestres longevo e uma diretora, Ioliris Paes Alves. 47 anos, que está no comando há dezessete. “A equipe inteira, do pessoal da limpeza à coordenação, vive motivada com a ideia de subir no ranking”, diz a diretora. “Escolas como essa são exemplos contundentes de excelência, já que conseguem compensar a desvantagem inicial dos alunos com um ensino de alto nível”, observa Priscila Cruz, da ONG Todos pela Educação.
O Ideb ajuda a desmistificar a ideia muito em voga no Brasil de que mais dinheiro é condição necessária para alcançar a excelência. O exemplo de Minas Gerais é esclarecedor: o estado é o campeão nacional no primeiro ciclo do ensino fundamental – com Ideb 5,9 em constraste com o Ideb 5 da média brasileira -, mas no ranking dos gastos por aluno está em apenas 14°. O Amapá, por sua vez, tem Ideb 4.1 (30% menor que o de Minas) e aparece na terceira colocação entre os mais gastadores. “A educação ali está fundada sobre as bases da continuidade nas políticas públicas desde a década de 90 e na articulação entre estado e municípios”, explica a especialista Maria Helena Guimarães. Além disso, o estado – que ainda emplacou em primeiro lugar a Escola Municipal Carmélia Dramis Malaguti, de Itatí de Minas – tem dado relevante ênfase aos programas de alfabetização. Com uma base sólida aí, já está provado, crescem exponencialmente as chances de a criança ter um bom rendimento nas séries que virão. É a mesma estratégia adotada no Ceará, o estado que mais extrapolou a meta definida pelo MEC – cravou média de 4,9, enquanto era esperado que ficasse em apenas 4.
O indicador oficial ainda joga por terra um equívoco em que muitos pais incorrem ao escolher a escola dos filhos. Acabam priorizando as instalações em vez de atentar para itens verdadeiramente decisivos, como o nível dos professores ou a presença de um bom diretor. O Ideb mostra justamente que é possível alcançar a qualidade em ambientes sem grande aparato, desde que os mestres e o diretor não se deixem paralisar pelas mazelas. Na escola municipal que lidera o ranking do Piauí, a Bom Princípio, em Teresina, as aulas de reforço extraclasse ocorrem, por falta de sala, num espaço improvisado sob um pátio coberto. Não é o ideal, é verdade, mas a lição produz um avanço notável no boletim. É um exemplo de plena superação que contrasta com o vexaminoso desempenho da também piauiense Escola Estadual Professor Agripino, a 419a posição no ranking do estado – apesar de receber alunos com um ponto de partida mais favorável, vindos de famílias com razoável situação socioeconômica. Ali falta até professor de matemática, mas a coordenadora Letici Santana. 57 anos, apenas lamenta: “Eu falo para os alunos estudarem com os pais, já que não temos condições de suprir a necessidade deles”.
O mapa do ensino que emerge agora indica um avanço razoável nas primeiras séries do nível fundamental, mas mostra que, nos anos escolares que se seguem, os progressos vão ficando cada vez mais tímidos, quando não inexpressivos – como é o caso do ensino médio. O MEC prevê que o Brasil alcance o atual patamar dos países da OCDE apenas em 2021. É preciso acelerar o passo. Que as escolas alçadas ao topo da excelência pelo Ideb sirvam de espelho.
Fonte: Revista Veja – 22 de agosto, 2012